quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Cristiane

Sentaram nas almofadas jogadas ao chão. As velhas almofadas laranjas que decoravam a sala há tantos anos. A sala não era sala sem as almofadas laranjas e o seu característico cheirinho de almofada laranja velha.

- Sabe do que me deu vontade agora?
- De ir no banheiro?
- Não...
- Ah, é que sempre que vamos colocar um filme, tu tem vontade de ir no banheiro.
- Não é vontade, é pra garantir que eu não precise ir durante o filme!
- E como se faz sem vontade?
- Condicionamento psicológico. Tu chega ali, encara o vaso sanitário, ele te encara também, como quem flerta na praça... O corpo aproveita esse namorico e gera a vontade que antes estava latente aguardando um momento propício. O corpo humano é muito inteligente e eficiente.
- Hm... Mas de nada adianta, porque tu sempre vai de novo durante o filme.
- É a saudade do ex-namoro, hehe.
- Boboca. Fala o que tu tinha sentido vontade!
- Ah sim, de piscina de bolinhas.
- Nossa...
- Que foi?
- Sabe que até me deu vontade agora também...
- Tu também adorava aquelas piscinas?
- Demais! Mas...
- O que?!
- Só fui uma vez, minha vida toda.
- Nossa, eu fui muitas! Por que uma só?
- Eu lembro perfeitamente, quando escorreguei pela primeira vez no tunel e caí naquele mar de bolinhas coloridas. Foi a coisa mais emocionante que eu havia feito até então. Eu não me continha de felicidade. Aí percebi que havia um garotinho descendo o túnel também, e nós dois ficamos feito serelepes nadando nas bolinhas. Ele jogava bolinhas em mim e eu jogava nele. Foi então que, acalmando um pouco a euforia, ele pegou uma bolinha cor de rosa, veio na minha direção e extendeu para mim, para que eu pegasse.
- Mas que safado, flertando na piscina de bolinhas?!
- Éramos apenas crianças. Eu peguei a bolinha rosa com um sorriso de orelha a orelha. Sem que eu pudesse sequer imaginar, ele me deu um beijo na boca, desses de encostar os lábios só.
- Tarado!
- Eu não fazia a menor idéia do porquê ele havia me beijado. Limpei a boca com a a manga da roupa e quando eu ia voltar à diversão das bolinhas, meu pai gritou meu nome com o tom de voz de quando estava irritado. Eu levei um susto enorme, passei de feliz para apavorada em 1 segundo.
- Ele viu o beijo?
- Viu, e ficou muito bravo. Mandou eu sair, xingou o menininho, discutiu até com o pai dele. Me pegou pelo braço e começamos a ir embora. Eu só pude olhar para trás...
- Procurando ver o seu príncipe pela ultima vez?
- Claro que não! Vendo as bolinhas coloridas se distanciando... Minha brincadeira não tinha terminado, eu mal havia começado.
- Chorou?
- Não. Senti vontade, mas estava tão assustada que as lágrimas não conseguiram sair. Meu pai nunca mais deixou que eu fosse nadar nas bolinhas. Eu sonhava de noite, me via brincando na piscininha. Mas nunca mais voltei lá...
- Tudo culpa do gurizinho.
- Eu me tornei uma criança menos alegre depois daquele dia. Minha primeira infância terminou lá.
- Estranho, tu não parece carregar nenhum trauma. Pelo menos nunca percebi...
- Aquela flor rosa que tu me deu...
- O quê?! Tu enxergou o gurizinho tarado em mim?!
- Não... Apenas revivi a cena sem ouvir o grito assustador do meu pai.
- Pena que não tinha piscina de bolinhas pra ti nadar depois que eu te dei a flor, hehe.
- Não, mas tinha coisa melhor.
- ...
- Adoro quando tu faz essa cara.
- Afinal, que filme vamos ver?
- Cristiane F.

3 comentários:

Unknown disse...

hauhauhauhauhauhauhau

Goooooosto disso! :)

Marianna Rodrigues disse...

Nada a ver com o diálogo (excelente, como sempre!), mas depois que eu assisti esse filme minha forma de ver o mundo mudou totalmente. Tá, talvez tenha algo a ver.

Vitor disse...

"seu característico cheirinho de almofada laranja velha."

Cada uma que tu inventa
hehehe