sábado, 1 de novembro de 2008

Cicatriz

- Sabe, tem uma coisa que há muito tempo eu quero te dizer.
- Ah não, pode parar! Não quero ouvir.
- ?
- Não quero ouvir nada que tenha se mantido oculto por muito tempo.
- Agora eu já disse que tenho algo a dizer. Agora eu preciso dizer.
- Não diga.
- Agora eu PRE-CI-SO.
- Tá bom.
- ...
- ...?
- Agora não consigo mais.
- Ótimo.
- Estava brincando. Não tenho nada a dizer.
- Hum.
- Te enganei, hein?
- Na verdade, está tentando me enganar.
- Eu?
- Sim. O que é que irias dizer?
- Mas tu disse que não queria ouvir.
- A-há! Viu como tinha algo?
- É claro que havia, e há. Mas eu tentei amenizar as coisas, já que tu disse que não queria ouvir nada.
- Agora eu quero.
- Por que antes não queria?
- Porque eu detesto saber de coisas que deveriam ter sido ditas há muito tempo.
- Trauma?
- Não interessa.
- É trauma.
- Falou o "psicólogo".
- Como se precisasse ser...
- Meus pais demoraram 10 anos pra me dizer que eu fui adotada.
- Puxa, então tu és adotada?
- Sim. E demoraram a me dizer.
- Talvez porque se dissessem antes, tu perguntaria "o que é adotada?".
- Perguntaria, e bastaria explicar.
- Talvez tu reagisse mal à explicação.
- Bastaria continuar explicando.
- Talvez tua reação fosse tão ruim, que não seria possível sequer continuar convivendo.
- Bastaria ter um pouco de...
- Chega!
- ...
- É isso! Queira ou não, algumas coisas são como a cerveja: elas precisam de algum tempo fermentando para se tornarem essa deliciosa bebida.
- Detesto cerveja, ué.
- O vinho também é assim.
- Hum.
- Entendeu?
- Diga logo o que é que queria me dizer.
- Tá vendo essa cicatriz?
- To. Teu umbigo é uma graça.
- Foi tu que fez.
- Quê?
- Tu tinha só 3 aninhos. Eu tinha 6.
- ??
- Aquele orfanato era uma droga, né?

2 comentários:

Mari ☮ disse...

Dialogos a parte, você escreve muito.

Anônimo disse...

:)