quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O tempo e o valor

- Aquela nota de 200 cruzeiros me fascinava.
- Qual?
- Uma de 1987, por aí. Era verdinha, com aquele rosto místico e atrás tinha uma figura estranha.
- Não lembro muito bem. 200 cruzeiros era bastante?
- Quando meu pai me deu a minha primeira nota, valia um monte! Eu a guardei na minha gaveta especial. Todos os dias eu abria a gaveta umas 4 ou 5 vezes só pra olhar pra nota.
- Não teria sido mais útil gastá-la?
- Útil, talvez. Mas eu estava apaixonado por aquela nota. Eu me sentia rico, gostava das cores dela, gostava daquele rosto cego com alfaces em cima da orelha. Era algo tão misterioso e valioso...
- Não vai me dizer que guarda ela até hoje.
- Não, claro que não.
- Seria estranho, hehe.
- Quando meu pai observou que eu havia guardado a nota ao invés de gastá-la, ele disse que me daria uma nota por semana.
- Uma nota de 200 por semana? Puxa!
- Não, não éramos ricos. Ele disse que daria uma nota por semana, mas não disse o valor delas. E pouco me importava, eu nem sabia quanto cada uma valia. Eu media o valor delas pela cor e pelas figuras.
- E que notas ganhava?
- Na maioria das vezes, de 10. Às vezes, de 50, que era uma nota ainda mais bonita e misteriosa.
- E o que dava pra comprar com elas?
- Não faço idéia. Eu não gastava, eu apenas guardava. Todas. Em alguns meses eu tinha uma quantidade tão enorme de notas, que eu passava minutos contando-as. Bem, eu não sabia contar ainda, mas ia folhando-as como se estivesse a contar os lucros do dia.
- Que bonitinho.
- Mas chegou um dia em que eu mal conseguia segurar as notas, era um bolo enorme. Era bonito de ver, era uma fortuna. Uma fortuna nas minhas mãos! Então decidi que havia chegado o momento de ir a uma loja de brinquedos e comprar o brinquedo mais caro que eles pudessem oferecer.
- Tanta economia pra gastar assim?
- Ah, eu já estava cansado de guardar dinheiro. Já estava começando a enjoar de ser rico, e achei que era hora de ser pobre e feliz com algum brinquedo sensacional. Pedi que me levassem na loja do bairro, ao lado do estádio Olímpico, onde morávamos. A loja de brinquedos da rua Eurico Lara, que nem existe mais. Entrei lá de peito estufado, com o bolão de dinheiro em mãos para mostrar que estava disposto a gastar.
- Haha, imagino a cara das vendedoras.
- Comecei a investigar os brinquedos mais atraentes da loja, e pedi que meu pai contasse pra mim quanto eu tinha. E quando eu vislumbrava enlouquecidamente um avião de controle remoto, que era quase maior que eu, recebi a assustadora notícia de que aquele avião custava 50 vezes mais do que eu possuía.
- Ah, mas esses aviões são caros mesmo.
- É, mas eu comecei a ir de brinquedo em brinquedo, apontando um por um. "Caro demais". "Não dá". "Piorou". Eu não podia comprar absolutamente nenhum brinquedo daquela vasta loja.
- O que aconteceu?
- Dinheiro parado na mão de uma criança, numa época em que a inflação chegava a 90% ao ano. Eu passei cerca de 1 ano e meio juntando. Meu dinheiro desvalorizou quase 100%.
- Coitadinho. O que acabou comprando?
- Essa ampulheta com areia azul.
- Hm. Tu sempre carrega isso na mochila.
- Ocorreu o efeito inverso do meu dinheiro. Esse objeto valorizou com o tempo, e hoje é um tesouro de valor inestimável. E agora ela é tua.
- Minha? Tá me presenteando?
- Estou, pega.
- Vou cuidar bem dela. Mas... Por quê?
- Daqui 10 anos, devolva-me 900% valorizada.

Um comentário:

Unknown disse...

Te dou meu coração, me devolve 900% valorizado? :D

hauhauahuahuhauahuahuha

beijo!