- O Mar é algo especial.
- Eu sei.
- Sabe?
- Sei que tu acha isso.
- Ele representa muitas coisas da vida.
- Como quais?
- Primeiro, as ondas. Cada onda é diferente da outra, nunca ocorrem duas ondas exatamente iguais. Tem aquelas ondas enormes, que te jogam longe num turbilhão arrasador. Tem aquelas que ameaçam estourar mas são apenas confortáveis ondulações que te levantam suavemente como se fosse um bebê nos braços do pai. Seja como for, uma onda jamais vai se repetir. Cada vez que uma onda vem, podemos ter certeza que ela é unica em toda a história do Universo.
- Que mais?
- Depois, o repuxo. Não importa o quanto a onda seja forte e o quanto ela consegue percorrer até a praia. Ela sempre voltará ao seu destino. Ela sempre voltará à corrente inicial, lá no fundão. O Mar jamais perde suas ondas.
- Essa é interessante.
- O Mar é misterioso...
- Diz algo misterioso sobre o mar.
- A bandeira preta.
- O que tem ela?
- Quando eu era pequeno, e chegava ansioso na beira da praia, a primeira coisa que eu olhava era a cor da bandeira dos salva-vidas. Eu apenas torcia para que não fosse bandeira preta. A bandeira preta, assustadoramente imponente, com uma aura terrível... Decretava um clima triste na praia.
- Tanto assim? O que tem demais uma bandeira preta?
- A bandeira preta era um sinal de que o repuxo do Mar estava fora do normal. Era um sinal de que naquele dia, o Mar estava querendo levar alguém para o fundo. Me disseram que nesses dias ele queria companhia. Usaram isso como argumento para que eu não entrasse na água.
- É um bom argumento para um menininho que adora o mar!
- Mas não funcionou. Eu entrei na água sozinho sem ninguém ver. Queria saber se era verdade...
- Meu Deus.
- Assim que eu entrei, veio uma onda na altura da minha cintura, me derrubou, e no repuxo eu fui arrastado sem conseguir firmar os pés no chão. Em 10 segundos, já não havia chão para eu pisar, e uma onda maior estourou. Fiquei completamente mergulhado embaixo d'água, indo cada vez mais pro fundo. Então, naqueles momentos eu acreditei. Eu acreditei que a bandeira preta dizia que o Mar queria levar alguém. Lembro como se fosse ontem...
- E o que aconteceu??
- Uma criança não tem tantos apegos quanto um adulto. Eu aceitei que Ele me levasse. Parei de bater os braços na tentativa de encontrar a superfície, soltei todo o meu corpo e deixei... Quando fiz isso, senti uma onda muito forte me levantando violentamente. Quando ela estourou, eu senti o chão de novo. Fiquei de pé com a água batendo no meu peito, e vi a coisa mais impressionante da minha vida.
- O que?!
- Uma onda monstruosa, do tamanho de um poste mais ou menos, se formou na minha frente. Ela me devolveu à praia.
- Do tamanho de um poste?
- Sim. Talvez, pelo susto da situação, eu tenha sofrido uma ilusão ou alucinação, pois fiquei uns 20 segundos embaixo da água. Para uma criança, isso é muito. Mas eu enxerguei, era uma onda tão grande que parecia ter um rosto.
- Então eu poderia não ter te conhecido...
- Já na areia, esperei o vento me secar para que não percebessem que eu havia desobedecido, e então voltei onde estavam meus pais. Quando cheguei lá, olhei para o meu pai e disse "a bandeira é preta mesmo".
- E o que ele respondeu?
- Ele sorriu e falou: "pelo menos não é bandeira preta com caveira".
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
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4 comentários:
tirando a sensibilidade do lado quase trágico, à parte, eu adorei.
Crônica maravilhosa! À altura da crônica "Bandeira Branca", de Veríssimo. Já leu? Leia, sempre me emociono.
beijos!
Cara, essa história é verídica?
Comigo aconteceu algo parecido.
Quanto ao diálogo, muito bom! ;)
Eu vim espionar o seu blog, e fiquei embasbacada! É vc mesmo que escreve?
Eu acho que os diálogos sempre nascem da imaginação de alguém solitário, por falta de uma outra personagem principal. É só a minha opinião.
Bom... são ótimos os seus diálogos. Vindo de solidão ou não. (riso)
Lara
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