quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O que tu levaria?

- Hm... O livro de poesias do Fernando Pessoa.
- Nossa, normalmente um homem responderia outra coisa pra essa pergunta.
- Responderia o que?
- Sei lá, que levaria uma mulher, a namorada, o amor da vida dele.
- Levar alguém que amo para uma ilha deserta...
- É, ué.
- Só se ela me amasse tanto quanto eu amasse ela. Senão, seria crueldade levá-la para lá. Não seria amor de verdade.
- Não tinha pensando nisso. Mas normalmente um homem também não pensaria assim.
- Por que?
- Ora, porque... porque... Bem, tu sabe.
- Vou fingir que sei só pra tu não ter que fingir que respondeu.
- Obrigada.
- Disponha.
- Por que Fernando Pessoa?
- Foi um grande poeta.
- E daí?
- Bem, eu aprecio sua poesia.
- Não vou devolver a cortesia.
- Qual?
- A de fingir que aceito ser enrolada pra tu não precisar fingir que não enrolou.
- Então posso fingir à vontade?
- Fernando Pessoa fingiria?
- Bem, ele escreveu sob diversos pseudônimos chamados de heterônimos, que eram personagens dele próprio. Mas não sei se isso é fingir...
- Acho que é.
- Talvez ele só quisesse dizer que nós carregamos vários personagens dentro de nós a vida inteira.
- E não teria sido mais fácil publicar um folheto nas ruas dizendo isso?
- Quando a mensagem é clara demais, ninguém leva a sério.
- Eu levo.
- Além disso, ele era poeta. Os poetas fazem isso.
- O que? Fingem?
- Não. Se eu apontar para uma estrela agora, tu vai saber qual é?
- ...
- Não adianta apontar.
- E o que o poeta faz? Mostra ela com um marca-texto?
- Ele diz o que está sentindo ao olhar o céu.
- E em que isso ajuda pra encontrar a estrela?
- Qual? Não há estrela pra ser encontrada...
- Não?
- Não, há apenas um vasto céu a ser admirado. O poeta só ajudou a olhar pra cima.
- Hm... Gostei. Mas e agora, vai me dizer ou não o verdadeiro motivo?
- Motivo de que?
- Do livro do Pessoa. Por que ele te importa?
- Tem alguém dentro dele.
- Fora o Pessoa e seus hormônios?
- Heterônimos.
- Brincadeirinha...
- Tem. Quem me deu ele.
- Isso é bom ou ruim?
- Depende do ponto de vista.
- Do teu ponto.
- É impossivel dizer se isso é bom ou ruim. É apenas significativo.
- E por que levaria o livro para a ilha deserta?
- É uma maneira de levar quem está dentro dele, sem incorrer na situação que citei antes, de ser cruel com quem não te ama tanto quanto tu ama.
- Que bonito.
- Mas e tu, o que levaria?
- Esse CD que tu me deu.

3 comentários:

Marianna Rodrigues disse...

Sensacional.

Anônimo disse...

Lindo.

Mari ☮ disse...

Cauculando os riscos, bem devagar... ponderada. Perfeitamente equilibrada.